Sobre o Movimento Popular INCLUA-SE

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São Caetano do Sul, Região do ABCD /São Paulo, Brazil
Não sabemos o que somos e sim o que NÃO somos! Não somos uma organização não governamental sem fins e muito menos com fins lucrativos (ONGs); Não somos um INSTITUTO; Não somos uma INSTITUIÇÃO nem pertencemos a uma; Não somos de CONSELHOS nem representamos segmentos. Não defendemos bandeiras PARTIDÁRIAS. Sendo assim, somos ILEGÍTIMOS aos olhos dos Poderes Constituídos!

Construindo um voto: Vizinhos


Por
Amilcar Zanelatto Fernandes


No ano de 1999 Rosangela, Lua (então com dez anos de idade), e eu, fomos morar num sobrado alugado, na Vila Prudente.

A moradia abrigava, também, um Centro Espírita de orientação Kardecista pelo qual eu respondia, inclusive como instituição legal, e que contava com Mara Gabriel, Katia Lincoln Gabriel e José Henrique como os outros membros colaboradores,  financeira e efetivamente.

A 150m do sobrado alugado - moradia de uma família e abrigo de um desafio proposto a todos nós envolvidos - iniciava uma Comunidade que ocupara, uma década antes de nossa chegada,  um terreno, e lá construíram suas unidades de habitação com placas de madeira como paredes, sendo que pouco menos de 40% das unidades já eram de alvenaria. Havia cerca de mil famílias
O local é conhecido como Favela do Morro do Péu.

Para nos estabelecermos, precisei negociar com o dono da Bocada, e fora ele quem impusera condição: nós não mexeríamos com os adolescentes que já estivessem com ele e estaríamos livres para agir; e ele respeitaria nosso trabalho. O dono da Boca substitui o Estado, é o "Prefeito" da favela: é a ele que precisamos pedir alvará de funcionamento. E  é um "Prefeito" que não deixa faltar "segurança", nem remédio, nem gás, nem um táxi na madrugada para levar mulher em trabalho de parto para o hospital ter seu bebê.

A Favela do Morro do Péu era formada por 90% de seus adultos com ocupação, mas, dos adultos ocupados , menos de ¼ tinham carteira assinada. Era formada em sua maioria por trabalhadores braçais ligados à construção civil; de limpeza e de portaria. A maioria dos jovens trabalhava nos comércios do shopping Central Plaza, próximo dali, e estudava à noite na Escola Estadual Olga Benatti. Também encontrávamos pequenos comerciantes e empreendedoras, normalmente quituteiras, cabeleireiras e manicures, ou costureiras.

Conversando, descobrimos que a Comunidade tinha constituído uma Associação, com presidência e diretoria (CNPJ) e estava cadastrada num programa do governo do Estado chamado de “Leve Leite”. 

Conversando com a Comunidade, descobrimos que fora um deputado quem os inscrevera e que, depois de eleito, não os orientou quanto à burocracia do programa: eles perderiam o benefício por falta de prestação de contas. Haviam 300 famílias cadastradas. Na verdade, a entrega do leite fora suspensa por um mês. 
Como eu tinha um computador, combinei com o presidente da Associação de Moradores da Comunidade do Morro do Péu – que intermediara minha conversa com o dono da Bocada – de colocarmos o cadastro em ordem e ofereci nossa Casa como ponto de entrega do leite.  Recadastramos as famílias e fomos entregar toda documentação na Secretaria de Estado. Voltaram a receber os 3 litros semanais de leite, cada uma das famílias cadastradas.  

Conversamos com a Comunidade sobre a participação dela na reunião do “Orçamento Participativo”, da Prefeitura de SP, quando convidamos as famílias cadastradas no “Leve Leite” para lhes explicar que não levavam o leite para casa de graça; que todo mundo pagava imposto e que nada era de graça. 

Conversando com a Comunidade, ela compreendeu que pagava imposto também e, daí, participaram da reunião do “Orçamento Participativo” da Prefeitura 156 pessoas da Favela do Morro do Péu, incluindo a mim e Rosangela e Lua, cuja casa não ficava dentro da Comunidade.    

Conversamos com a Comunidade e descobrimos que havia crianças matriculadas em escolas próximas - municipal e estadual - que necessitavam de reforço escolar. Atendíamos crianças da Comunidade em Casa, lhes dando reforço escolar.

Conversando com a Comunidade descobrimos, também, que havia adultos  iletrados na Comunidade: fizemos um projeto de criação de um grupo de mediadores para alfabetização de adultos pelo método Paulo Freire e fui buscar recursos para implementá-lo. 
Como um Centro Espírita não é uma Ong, não os conseguia. 
Então reunimos os cerca de dez adultos que se interessaram em se inscrever  no projeto e os incentivamos a se matricularem no EJA, uma vez que nossa proposta não era o de substituir o EJA, mas o de complementá-lo, e dentro do EJA, dentro da escola.  
Seis deles se matricularam no EJA e quando saímos de lá eles já liam e escreviam com satisfatória desenvoltura.


Quando precisamos entregar o imóvel, informei a Associação numa reunião que precisariam de um novo local para a distribuição do leite às famílias. D. Antonia, uma senhorinha de personalidade, matriarca nordestina da gema, fundadora da Comunidade e da Associação, sendo sua vice-presidente, ao final da reunião em que ficara o tempo todo em silêncio e de cara amarrada me chama de lado e me diz, séria: 

“o senhor pode vir tomar um café na minha casa amanhã, visse. Mas à tarde porque de manhã vou resolver umas ‘cousa’, visse?

Na tarde seguinte estava na casa de D. Antonia, que foi direto ao ponto:

"Visse, quando o senhor chegou aqui na favela com sua conversa de professor, peguntando das coisas, eu achei que era mais um candidato safado que vem e promete resolver as coisas, ganha votos e vai embora deixando a gente na mão, como fez esse safado que veio aqui e prometeu tudo pra todo mundo e levou voto da família toda de cada mãe que pegava leite e foi eleito e sumiu. 

Mas depois vi que o senhor estava era ajudando mesmo e não pedindo voto, visse.

Eu gostei que as mães estão pegando o leite de novo e o senhor ter ensinado a gente a cuidar disso; do senhor e sua mulher dar aula pras crianças da favela e de ensinar que não é vergonha não saber ler e que dá pra apender mesmo sendo velho porque a gente sabe que analfabeto é presa fácil de carcará.
E nunca pediu um voto pra ninguém.
E agora vocês vão embora?

Não é certo isso, não, visse. Eu tenho muita gente da família morando na favela e fui conversar com eles. Tem um 'barraco' muito bom que vai ser vendido porque a família vai voltar pro norte.
Se vocês quiserem ficar, a gente da favela está disposto a juntar um dinheiro para pagar a mudança deles e vocês vão pagando um pouco por mês até acabar a dívida..." 


Esse relato procura ilustrar a forma pela qual eu costumo construir um voto: dar valor antes ao o quê do que a quem.
Embora nosso trabalho naquela comunidade tivera notória influência de uma ideologia de esquerda e eu, na época, ser filiado ao PT e todos saberem disso, realmente nunca pedira votos a candidaturas partidárias.
Mesmo assim, a candidatura de um vereador do PT tivera expressiva votação, assim como Marta Suplicy, eleita prefeita.

O tocante gesto de solidariedade e gratidão de D. Antonia e da Comunidade do Morro do Péu  para com nossa contribuição a eles comprova que as políticas públicas propostas pelo partido receberam atenção dos eleitores, que se sentiram empoderados quando perceberam a importância de um bom o quê e a identificar em quem podem confiar para a condução e execução de tais políticas.

Portanto, é claro para mim as diferenças - cada vez menores, diga-se - entre os "o quês" propostos pelas candidaturas Dilma (PT) e Aécio (PSDB).

E esse é um dos motivos pelo qual meu voto não será de Aécio.

Ademais, essa experiência me levou a uma dedicação maior em entender certos "o quês" propostos em candidaturas eleitorais quanto às pessoas com deficiência.

Mas esse será assunto a ser tratado em texto específico, inclusive para atender pedido feito por meu caro Alessando Antunes, pelo face, e que pretendo publicar no sábado.